Rei e Dama contra Rei,
Obra e poeta contra Dama
Cavalo e bispo na mesma cama
E na escrita, torre na D6
Peões arriscam a vida na A3
Loucos amores sem jogar
Rei preto na D8 a balançar
No comando que mata a arte
O derradeiro xeque-mate
Dá arte mórbida de amar.
Clamor, vício e honra na E4
Que me venha a benção do bispo
Que me ensinem em D2 o ofício
De deixar em Xeque esse cardo
Sem subir na torre com o cavalo
Sem beijar a dama como peão
Sem avançar em sacrifício na razão
Sem ser Rei louco em E3
Sem avançar, sem hooke, torre na E6
E sangue no tabuleiro em vão.
Dama branca, dama preta, Reis, ambos
Movimentos, armadilhas, enrascadas
Da torre em H8 parte a punhalada
Na coroa do conto-mate dos humanos,
Em F5, sinto, orgia, dama e peões, tantos.
E o bispo se oferece, carente e falso
No tabuleiro luz e sombra no cadafalso
E em D1 o poeta, sem ser peça, sem ser homem
Sem ter dama, sem ter torre, sem ter fome
Não é Rei, não é bispo, não é plástico.
Na vez de jogar, pula, em E4 os primitivos
Avançam sem receio no jogar eterno
E nem que a luta vá até o inferno
Ainda assim serão levianos e pungitivos
Na chance de vencer perderam sem arbítrio
Na gana de lutar, e de amar, o coração palpita
E não há de existir razão plena e favorita
Lamina que tanto corta, envenena e arde
Que a sensação do golpe final, do xeque-mate
Aplicado na dama traiçoeira e traída.
~César Augusto
Foto: Henderson Baena